O mito do “Domínio Espanhol”

No passado mês de Julho estreámos a visita guiada “Lisboa à Espanhola“. Foi um olhar renovado sobre a cidade a partir da presença de uma comunidade que se funde com a história da capital.

Domínio espanhol? Mito? Usurpação? Legitimação?

Dos vários períodos relatados e das personagens comentadas ainda restam algumas névoas que não ajudam a ver de forma clara e sem traumas o tempo da união ibérica. A ideia de uma usurpação, conquista e domínio espanhol durante 60 anos toldam ainda as nossas mentes.

domínio espanhol
Armas do rei Filipe I de Portugal e II de Espanha integrando as armas do reino de Portugal (1580?)

Felizmente nos últimos anos esta mitificação tem vindo a ser desfeita à luz de novas investigações, pela leitura cruzada dos dois lados da fronteira, pela documentação existente e interpretações esclarecidas.

Os mitos foram nascendo na esperança de um salvador que repusesse a ordem num reino ocupado pelo castelhano. À espera de um D. Sebastião salvífico que afinal seria D. João IV, como Padre António Vieira afirma no Sermão dos Bons Anos, “Mas ainda que concedamos que os Portugueses não souberam esperar, não lhes neguemos que souberam amar, e com muita ventura; que talvez buscando a um rei morto, se vêm a encontrar com um vivo.

As afirmações de legitimidade serão levadas a cabo pela acção diplomática dos homens próximos de D. João IV junto dos outros reinos e papado. Vinte e oito anos de guerra levaram à necessidade de proteger o reino da provável investida do agora inimigo fortificando a raia. Só neste período o conceito de Nação tornar-se-ia a razão da independência política para o reino de Portugal.

A 2ª metade do século XIX foi rica em desejos de união ibérica e oposições anti-Ibéria. Em 1870 fervilharam vontades para a criação de uma federação ibérica, republicana e socialista. E em 1886, aquando da inauguração do Monumento aos Restauradores, entrava-se num período de anti-espanholismo, de hispanofobia, apontando-se a monarquia dual como uma era de trevas, de obscurantismo, sem arte, de decadência, da perda da liberdade.

Sobre estas agitações peninsulares de fim de século teremos em breve uma nova visita sobre Espanha e Galiza em Lisboa ao longo dos séculos XIX e XX.

O mito do domínio espanhol consolidado durante o Estado Novo perdura ainda hoje. Tudo errado mas consentâneo com um tempo de nacionalismo artificializado e deturpado para servir um discurso eivado só de heróis e conquistas genuinamente portuguesas. A expressão “de Espanha, nem bom vento, nem bom casamento” faz ainda parte de conversas casuais quando aludindo a algo prejudicial que venha de Espanha – clima que seca, alianças que levaram à perda de autonomia.

Desmistificar precisa-se!

Vamos desmistificar a suposta conquista por um rei apelidado de usurpador, há que conhecer as verdadeiras figuras que estão por detrás do mal-estar dos últimos vinte anos da monarquia dual e que levaram à defenestração de Miguel de Vasconcelos (episódio marcante no imaginário do dia 1 de Dezembro de 1640) e a aparição de um D. João Duque de Bragança que até escrevia teatro em espanhol! E não esqueçamos as palavras de D. Luísa de Gusmão, «melhor ser rainha por um dia do que duquesa toda a vida» ou «antes morrer reinando do que acabar servindo.». Mas será que o disse ou temos mais um mito da Restauração para deslindar?

E ainda uma questão importante: como é que este período de união de dois reinos sob uma coroa é visto na história de Espanha e pelos espanhóis? De que falam os manuais de história sobre a monarquia hispânica ou o impacto das Guerras da Restauração?

Estes e novos conteúdos serão abordados na nossa visita Lisboa à Espanhola

Lusitana Liberata, gravura na obra de António de Sousa Macedo, 1645 (fonte BNP)

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Lisboa à espanhola

Lisboa à Espanhola!

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